Em vídeo postado em janeiro, com 100 mil visualizações no YouTube, o empresário de Blumenau (SC) Silvano Spiess fez um desabafo.
“Se eu acordar e tiver recebido 30 pedidos na minha empresa, eu deveria ficar alegre, mas vou ficar frustrado. Para esses 30 pedidos, terei de imprimir nada menos do que 60 guias de recolhimento de imposto, pagar cada uma delas, grampear [com o produto] para, aí então, despachar para o cliente.”
Nessa fala, ele explicou como as novas regras de recolhimento de ICMS o levaram a fechar sua loja virtual, a O Caneco, que vendia cervejas artesanais de Santa Catarina.
Com as mudanças introduzidas pelo convênio 93/15 do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), ligado ao Ministério da Fazenda, em vigor desde janeiro, micro e pequenas empresas do comércio virtual estão elevando preços, atrasando entregas e deixando de vender para outros Estados.
A nova regra divide o imposto entre o Estado de origem da empresa e o Estado para onde o produto foi entregue. Antes, todo o imposto da venda ficava onde a empresa estava instalada.
Além da burocracia criada com o pagamento do tributo em mais de um Estado (veja quadro abaixo), a nova regra também eleva o ICMS pago por empresas optantes pelo Simples, regime simplificado para pequenas empresas.
Isso acontece porque elas passam a ter o novo pagamento ao Estado de destino do produto mantendo o mesmo valor de imposto devido ao seu próprio Estado, explica José Augusto Picão, conselheiro do CRC-SP (Conselho Regional de Contabilidade).
DESCONHECIMENTO
A maior parte dos micro e pequenos empresários do comércio eletrônico ainda não se adaptou à nova legislação, aponta pesquisa da Loja Integrada, plataforma que fornece tecnologia para 250 mil varejistas na internet.
Dos 253 empresários ouvidos, 43% ainda não se adequaram e 29% não conhecem os novos procedimentos.
Spiess, da O Caneco, contou que a empresa tinha três funcionários. Ele chegou a buscar um contador para se adaptar às regras, mas acabou desistindo.
“Seria completamente inviável, teria de contratar mais uma pessoa apenas para tocar isso. Nem a longo prazo meu negócio teria uma rentabilidade bacana.”
Manoel Castro, da loja de roupas Lux Magazine, tem concentrado esforços de divulgação pela internet apenas para clientes dos Estados de onde vinham mais pedidos –SP, RJ, MG e RS.
Com isso, diz, seus profissionais aprendem a lidar melhor com os sistemas desses Estados e ganham mais velocidade na impressão de guias e pagamento de impostos.
“Num segmento como o nosso, tão atualizado, temos de lidar com uma forma de cobrar impostos pré-histórica”, diz Jean Kipfer, da loja de artigos militares Tática Militar.
Por dificuldades de pagar as guias de ICMS pela internet, sua equipe vai uma vez por dia com as guias de pagamento ao banco. O tempo de envio dos produtos passou de um para dois dias. Para compensar o aumento de custos, reajustou seus preços em 8%.
Para fugir da burocracia, os empresários devem analisar quais são os principais Estados de destino de seus produtos e concentrar suas vendas neles, diz Maurício Salvador, presidente da ABComm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico). “Poucos micro e pequenos empresários vão ter fôlego para vender para os 27 Estados.”
Ele sugere que os empresários façam inscrição estadual nas secretarias da Fazenda dos Estados para os quais vendem mais, o que eliminaria a necessidade de pagamentos após cada venda.
OUTRO LADO
Para Confaz, mudança corrige “jabuticaba”
A mudança no recolhimento e na repartição do ICMS vai beneficiar as empresas do Simples, segundo André Horta, coordenador dos secretários de Fazenda no Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária).
Segundo ele, a nova repartição do ICMS corrige a “jabuticaba” do sistema tributário brasileiro de o imposto sobre o consumo ficar no Estado de origem da empresa e não no do consumidor.
Do modo como está, grandes empresas são incentivadas a se instalar em locais em que recebem mais benefícios fiscais, obtendo mais competitividade em relação às pequenas, que, em geral, não têm como fazer essa escolha.
Sobre o aumento de tributos para as empresas do Simples, ocasionada pela nova legislação, ele afirma que será repassado pelas empresas a seus consumidores, sem prejuízo dos negócios.
Questionado sobre como fazer isso, ele diz que é possível que as empresas tenham de praticar preços diferentes dependendo do Estado do consumidor.
Ganhos
Para Horta, serão poucas as pequenas empresas que terão impacto negativo, pois a maior parte delas tem atuação regional.
“Quem ganhou foi a empresa do Simples que tem atuação local, o que acontece na maior parte dos casos. Elas agora têm a melhor posição competitiva em termos de tributação.”
Horta lembra que a emenda constitucional que modifica a distribuição do ICMS prevê que as empresas do Simples passem a pagar a parte do ICMS destinada ao Estado para o qual vendem.
Sobre o aumento de burocracia, o secretário diz que o Confaz editou convênio em dezembro que simplifica o processo de abertura de inscrição estadual de empresas em outros Estados.
Folha de São Paulo